Aquele Caderno

Luto (substantivo masculino)

A necessidade desta escrita me veio enquanto assistia ao vídeo a respeito do processo de dublagem de One Piece, o falecimento de Antônio Moreno e como Glauco Marques lidou com o processo de trabalho e luto pessoal.

Não conheço a fundo Glauco e sempre o achei meio cisudo, fechado, e tudo bem. Fiquei curioso para assistir ao vídeo devido às datas e entender melhor o que de fato aconteceu e, bom, vi reflexos de relações masculinas que transitam ao meu redor, já passei e lido até hoje. Foi impossível não associar todo o processo e como o próprio Glauco se porta no vídeo a como eu reagi quando tudo aconteceu com Ivan em Outubro de 2022. Há contatos na nossa vida que não requerem tempo para serem validados ou circustâncias exclusivamente pessoais, a vida acontece como tem que ser. Em meio a trabalhos, vínculos reais são criados e é difícil lidar com isso: Antônio e Ivan tiveram isso em comum. Cenários totalmente diferentes e sem comparação mas que afetaram os lados que continuam aqui de maneira desbalanceada.

Ivan foi o meu primeiro aluno na escola. Um desconhecido, lá de São Paulo, enviado pelo meu coordenador para ver se conseguia conquistar o aluno, enquanto apresentava a metodologia de ensino e praticava, com um possível cliente. E numa primeira aula usando Standup Comedy como tópico, em 14 de Junho de 2022, conheci aquele cara. Cara esse que simplesmente em quatro meses, duas vezes por semana, se tornou meu amigo. Quando encontrei a notícia, meio a status do WhatsApp, fiquei sem reação porque achei que fosse algum tipo de brincadeira referente às eleições, mas infelizmente não. Num dia que era de esperança, perdi aquele cara. A vida perdeu a presença e luz dele.

No outro lado da moeda, Antônio lutava a muito contra suas limitações e saúde, ao mesmo tempo que se encontrava em idade avançada. Somando isso à pandemia e ainda por cima enfrentando as dificuldades de se manter num trabalho de serviços e contratos. Glauco viu o potencial e uma ligação forte aconteceu, pelo que dá pra sentir pela maneira que ele comenta. Me fazendo também refletir como as relações masculinas, sejam essas de níveis paternais, fraternais (a qual tenho extrema dificuldade de saber porque não tenho referência) ou mesmo de brothers, coisa forte, simplesmente surgem e impactam muito. Sinto isso em diferentes experiências sutis que tenho tido em pequenas coisas, que esperava de um lugar específico mas que sei que não virãm de lá: apoio com coisas simples e cotidianas, a expectativa positiva e acreditar que determinada vaga aberta é para mim, a confiança, venda e suporte de entender os processos de adquirir um veículo. Evito pensar, mas vejo figuras paternas nessas coisas.

Ivan foi embora, no meio do nosso caminho; Antônio conseguiu se despedir e deixou um legado. Nós continuamos aqui e ainda não faço ideia do que seja a experiência humana ou o que será o meu papel de vida, como posso ajudar os meus arredores (e, sinceramente, nesse atual momento não me vejo nem me ajudando direito). O luto fica, o luto dói. Estranho porque estava ouvindo uma conversa domingo sobre isso (me recusei a participar direito, era um momento de celebração à vida) e hoje me vejo nesse impasse. Nós homens não sabemos sentir o luto direito. A raiva vem, a saudade permanece e não sabemos direito o que faríamos se tivéssemos aquela chance. Sonhei com Ivan uma vez e me agarrei em viver aquele momento, mas minha preocupação foi com o espaço-contínuo e não alterar as coisas e as linhas do tempo. Estranho, mas fiquei feliz em poder vê-lo mais uma vez, e curiosamente, pessoalmente naquele sonho.

Quando vocês acham que as pessoas morrem? Quando elas levam um tiro de pistola bem no coração? Não. Quando são vencidas por uma doença incurável? Não! Quando bebem uma sopa de cogumelo venenoso? Não! Elas morrem… quando são esquecidas. Mesmo depois que eu for, meu sonho tornará realidade. Os corações doentes serão curados.

Dr. Hiluluk por Eiichiro Oda

E nos silêncios, a gente sente. Obrigado por tudo, apesar da interrupção abrupta. As luzes que emitiram seguem abrindo caminhos.